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  1. O Reino das Piraíbas Gigantes Por Rodrigo Delage De volta ao Araguaia... rio sertanejo, parente irmão do meu São Francisco... Araguaia, casa de todos os peixes e bichos, território maior... e foi em busca da mãe de todos os peixes que partimos pela manhã ensolarada de junho. Saímos de Belo Horizonte eu, Rodrigo Delage, e o amigo Max Rosa, que iria pela primeira vez ao Araguaia, para nos encontrarmos em Goiânia com os amigos Odirlei Borin e Sr. Osmir, que vinham rompendo de carro pelo interior de São Paulo e Minas Gerais. Desta vez, partiríamos de Luiz Alves para descer o Araguaia até um ponto determinado, a partir do qual seria iniciada a busca pelo maior desafio encourado de nossas águas, a lendária Piraíba. Tetéu e Tatinha, dos irmãos “Só Piraíba”, eram os guias que nos levariam até elas... A descida era por mim aguardada... descortinaria novas águas... novas paragens além daquelas outrora já tanto navegadas. E assim partimos, após uma noite de confraternização em Luiz Alves com os pescadores Diego, Felipe, Dudu... que nos animaram com a notícia de muitas ações... os peixes tinham aberto o comedor... cardumes estouravam por todo o Araguaia. Saindo... ainda no escuro da madrugada... A barra do dia ia pintando de vermelho o céu de estrelas que nos abrigara durante a noite... a medida que clareava, meus olhos começavam a identificar aquelas águas... três furos, barreira da bem-vinda, barreira terra do sol, Fio Velasco... olhei à esquerda e vislumbrei a ilha onde fica a antiga “Pousada do Wilson”, veio à minha lembrança a figura amiga do finado Sr. Wilson, que em tempos já antigos nos recebera em sua simplicidade, marcando em nossa memória um tempo feliz de descobertas e aventuras. A boca do Javaés com sua praia alta já impedia a entrada neste braço do Araguaia, que marca a cabeceira da maior ilha fluvial do mundo. Biguás, biguatingas, garças, colheireiros, craúnas, curicacas, maracanãs, patos corredores aos casais e as gaivotas, donas das praias do Araguaia, cruzavam o céu... Boca do Caracol, do Goiaba, do Comprido, Volta Grande, Rebojinho... Abaixo da Barra do Cristalino, após uma curva, me chama a atenção a movimentação no barco do Sr. Osmir e do Borin, enquanto o Tatinha apontava para a margem. Por questão de segundos, perdi um encontro pelo qual sempre esperei... uma bela onça pintada acabara de atravessar e rio e ganhava a mata... o Sr. Osmir chegou a vê-la... alguns segundos antes, conseguiríamos fotografá-la dentro d’água... Apesar do vento frio que obrigava o uso de agasalho com sol já alto no céu, a onça nos mostrava que os bichos de fora d’água estavam ativos... e pressagiava uma excelente pescaria. Jacaretinga em sua “praia privativa” Na primeira tarde de pesca, não houve ações de peixes grandes, contudo, os Mandubés, Barbados e Douradas pareciam querer nos mostrar que os peixes estavam ativos... era necessário persistir. A manhã seguinte seria conclusiva para decidirmos entre pescar, descer mais ou até subir de volta. Seria uma sondagem determinante... Amanhecendo... “E aí, será que vai sair peixe hoje?” Logo no início da manhã, um excelente sinal foi ver um grande cardume de papa-terras sendo caçado pelos botos na saída de uma ressaca. O ponto foi escolhido para a soltura das linhas e em menos de 15 minutos eu já brigava com uma Pirarara, o primeiro bagrão a nos dar as boas vindas. Mas como nosso alvo não eram elas, fomos caçar outro canto. O Araguaia impressiona pela largura, mundo velho de água... descemos a um ponto onde havia dois “furos”, braços de ilhas que nos permitem pescar em um trecho estreito. Soltamos a linha ao lado de um pé-de-banco onde as Douradas davam caça aos peixinhos, e, em pouco tempo, o alarme da carretilha tocava a música que dispara o coração de todo pescador. Outra Pirarara, que chegou a nos enganar brigando no meio do rio em zigue-zague. Após a soltura, descemos... Borin e Sr. Osmir estavam parados com o Tatinha no braço ao lado e, ao nos aproximarmos do barco, o sorriso no rosto deles não nos deixava dúvidas... tinham acabado de soltar uma Piraíba de exatos 2 metros! A felicidade foi geral... Sr. Osmir, sorrindo feito menino, nos disse que “nunca imaginava que ia ver um peixe desse tamanho”... Alegria total... era a certeza de que o rio pulsava ali, que seria possível encontrá-las... Borin e Sr. Osmir, segurando o batelão... Tatinha e Sr. Osmir... é peixe demaaaais Já no final da tarde, ao longo de uma praia, identificamos outro cardume de papa-terras subindo. Ao soltar as iscas, em pouco tempo, a linha do Max começa a esticar e sua vara deita no secretário... “ferra”! Era sua estreia nos grandes peixes do Araguaia. A briga estava estranha, o peixe parecia muito pesado e subiu à superfície ainda bem longe do barco... “Tetéu, esse peixe está laçado?”, “Tá parecendo...”. Já bem perto do barco, vimos ser uma Piraíba de porte médio, que subiu, deu uma rabanada e se livrou do anzol, que estava preso apenas em sua barbatana lateral, não sem antes nos dar um banho... apesar de não ter pousado para a foto, comemoramos o peixe, que nos deu novo ânimo para o dia seguinte... Araguaia, nome que significa “rio das araras vermelhas” dos carajás, araras em riscos de cores que alçam voo nos céus dos fins de tarde do Beérokan, pincelando tintas que não têm nomes na aquarela dos homens, em rosa, amarelo e carmim. “Roseosins de nuvens, noites do sertão” De novo o amanhecer se deu com um vento firme e persistente, que vinha da virada da lua nova para a crescente... a esperança era de que o peixe continuasse a comer. Paramos os dois barcos emparelhados, no primeiro ponto em que soltamos as linhas, onde os botos continuavam a perseguição às papa-terras, que voavam na fuga desesperada dos ataques. Poucos minutos se passaram até que o Borin tivesse sua primeira ação. Após o peixe deitar o caniço, contudo, a ferrada veio lisa... aooo sensação lazarenta, sô!!! Enquanto elucubrávamos o que de errado tinha sido feito, o peixe resolve conceder nova chance... nova puxada, mas agora com ferrada fatal... a carretilha grita e o barco é solto... no rosto do pescador, congelado estava o sorriso. Outra linda Piraíba embarcada... confesso que eu, nem na mais otimista das previsões, acreditaria nessa fartura de ações. Voltamos ao mesmo ponto onde o Max tinha perdido a Piraíba na tarde anterior. Soltamos as linhas e tivemos nova ação. Desta feita, o Max estreou com pé direito, oferecendo-lhe o Araguaia a sua mais preciosa oferenda... após uma briga de respeito, seguramos nos braços uma linda Piraíba. Max Rosa e sua estreia no Araguaia! Eu e Max Rosa, com a Piraíba Nova soltada de linha e foi a minha vez de ter na ponta da linha esse bagrão. Depois da peleia, encostamos o barco no raso e o peixe subiu... Tetéu chegou a baixar os óculos escuros para melhor divisar... parecia uma Piraíba, mas sua coloração era absolutamente diferente... Coincidentemente, na tarde anterior, falamos da extinta Dourada de couro, peixe que antes da construção da barragem de Tucuruí, dividia com as Piraíbas os canais do leito do Araguaia... Após melhor observar o peixe, chegamos à conclusão de que não se tratava da Dourada... a cabeça da Dourada difere bastante da do peixe que pegamos (uma perfeita Piraíba – Brachyplathystoma filamentosum), porém, quem sabe nesse peixe resistem alguns genes atávicos da extinta Dourada... ou até mesmo um hibridismo que possa ter ocorrido... seria interessante um estudo aprofundado... fica o registro e o alento de que, talvez, alguma Dourada ainda possa estar patrulhando as funduras do Araguaia... A Piraíba dourada... Mudamos novamente de ponto e, já depois do meio dia, paramos em um lindo pé-de-banco, com uma praia à direita... um forte rebojo fazia subirem paneladas de água no degrau que levava à parte profunda. Iríamos tentar pegar alguns Mandubés para o almoço. O barco do Borin já estava posicionado à nossa direita. Soltamos as linhas dos varões e enquanto tentava ferrar algum Mandubé, pude ver a brutalidade com que minha vara pesada foi levada e, antes de que fosse tirada por mim do secretário, a carretilha já esgoelava no alarme. Ferrei o peixe já com a plena convicção de que aquela seria a Piraíba que eu procurava... estava na ponta da linha o meu peixe da pescaria... Soltamos o barco enquanto, em trabalho de equipe, o Max recolhia as linhas e ajeitava as coisas para a briga que se iniciava. Não rumamos na direção do peixe, que tirava linha da carretilha em demonstração da mais pura força e valentia. Enquanto brigava, lentamente o barco era posicionado e direcionado para a parte rasa, a partir de onde seria disputado o cabo de guerra. São estes os momentos pelos quais tanto esperamos e que nos parecem uma eternidade... a ansiedade era para ver a cara do peixe que, após exaustiva batalha, encostava nos braços do guia que entrara no rio para imobilizá-lo. Pulei no Araguaia para também por as mãos na dona daquelas águas. O Borin também entrou para ajudar a levantá-la, pois eu e o Max, sozinhos, não conseguíamos suspendê-la para as fotos. Após me “afagar” dando uma bela lapada na minha cara com sua caudal, o peixe estava pronto para a soltura, absolutamente recuperado. Ao liberá-la, novamente o peixe mostrou sua agressividade, despedindo-se com outro golpe, exibindo a sua força e resistência. Indescritível a sensação... um mergulho no Araguaia para lavar corpo e alma. Max Rosa, eu e Odirlei Borin... com a lendária Piraíba. Tetéu, eu, Rodrigo Delage, e a Fera. Logo após, encostamos para o almoço... vimos que não tínhamos levado o sal... não tem problema, nunca um arroz com carne sem tempero foi tão gostoso... Amanhecendo mais um dia... No dia seguinte, o pau continuou caindo a folha... logo pela manhã, após soltarmos as linhas em um furo bastante estreito, arremessei minha varinha em busca de algum peixinho. Anzolzinho de mandi iscado com uma tirinha de peixe. Não demorou para ferrar alguma coisa que desceu desembestada... “O quê que você ferrou ai, Boy???” Eu: “Solta o barco!”... “É Filhote!” Eu: “Vamo que vai acabar a linha!... Acabou... precisa soltar mais não... pega uma cerveja pra mim aí, Max...” Kkkkkkkk... Em quinze segundos o peixe levou os cem metros de multi 40 libras de minha carretinha... sem chance pra mim!!! À tarde, voltamos à praia onde estava o cardume de curimbas. E o Max estava inspirado... chique demais... nesse período, ele pegou duas Piraíbas, sendo que a segunda, ainda bem pequena, nos dá a garantia de que elas novamente estão se reproduzindo no Araguaia... a natureza deu seu jeito de perpetuar-se. Além disso, ele ainda brigou bastante tempo com outro peixe, mesmo após sua carretilha (uma PENN Squal 30) ter aberto o bico. A carretilha, no seu segundo peixe, quebrou a trava da manivela sem qualquer esforço extraordinário, o que nos causou estranheza, levando a crer tratar-se de algum defeito de fabricação. Mesmo trabalhando com a carretilha quebrada, quando a canoa já estava sendo levada ao raso, a linha quebrou, provavelmente em razão de algum pique ou ralado feito por obra das famigeradas piranhas. Prova de que as Piraíbas estão se reproduzindo no Araguaia. Nesse dia o Borin protagonizou fato até então inédito para mim... em determinado ponto, o peixe bateu em sua isca enquanto ele recolhia a linha, sendo ferrado pela lateral... mais uma bela Piraíba! Imagina o quanto brigou ferrada desse jeito! E depois, eu é que sou o “largo” da estória... kkkkkkk Sr. Osmir e Odirlei Borin, com mais uma bela Piraíba. O retorno ao pouso, após essa fartura toda, era sempre com o estado de espírito em festa, para apreciarmos as mais belas araras vermelhas desenhadas no céu... “e lá se vai mais um dia no Araguaia... o Rio das Araras Vermelhas...” O dia seguinte foi de diversas ações perdidas... inacreditável... o Max e o Tetéu tiveram cinco puxadas que deram condição de ferrada, e apenas um peixe foi fisgado, já no final da tarde... “salvando” o dia com mais um belo peixe... Digo a vocês que não precisava de nada mais... o sentimento era de que fomos presenteados... No derradeiro dia, encerrei a pescaria ainda com uma Pirarara, que foi bem bebemorada durante o dia todo... hehehehe... Borin e Sr. Osmir ainda pegaram várias outras Pirararas, sendo alguns belos dublês... Odirlei Borin, Sr. Osmir e Tatinha, na tensão da briga com um dublê. Resultado da briga. Mais um dos diversos dublês de Pirarara que aconteceram. Eu e minha última Pirarara da pescaria. E assim começamos os preparativos da volta, plenos de espírito. Gratos a todos que fluíram para que desfrutássemos desse presente.... voltávamos com os braços doloridos das batalhas, como que a nos forçar lembrá-las a cada movimento que fazíamos... ao todo foram 9 Piraíbas e 21 Pirararas... Max e mais uma bela Pirarara. Agradeço ao Borin e Sr. Osmir, pela carona, amizade e parceria! Ao Max, por topar a empreitada. Agradecemos especialmente aos Guias “Só Piraíba”, Tetéu e Tatinha, que nos colocaram cara a cara com as feras... Até o próximo encontro, Beérokan...
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