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Enfrentando adversidades e quebrando um TABU...


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Enfrentando adversidades e quebrando um tabu

É uma das mais impressionantes riquezas naturais brasileiras que mescla biomas de Cerrado e Amazônico, contendo espécies endêmicas que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Aqui, a velocidade é constante, águas e vidas se espremem entre rochas; vidas solúveis, que fazem e se desfazem em cronologia indeterminada. Assim se tenta definir um pouco das preciosidades da região do Rio São Benedito, pois certamente faltariam adjetivos superlativos para defini-la com maior veracidade. Bela e rústica por natureza, essa região une qualidades que inspiram diversos pescadores que simpatizam com uma inesquecível aventura.

Terra de muitos contrastes, cores, aromas, relevos e cultura. Abriga índios, brancos e imigrantes com ideais distintos de desbravamento, porém unidos por uma só natureza. Ribeirinhos que se resguardam e temem lendas escondidas dentro d’água, que algumas vezes chegam a intimidar os visitantes que as escutam.

Ao caminharmos pela mata inspiramos um ar úmido e com diversos cheiros e “sabores”. Enquanto se observa o menor beija-flor do mundo sugar o néctar das flores, o raro pássaro Uirapuru nos encanta com seu canto, fazendo com que toda a floresta se silencie para ouvi-lo.

Essa aventura pelo São Benedito teve um significado especial, me provando mais uma vez que moldes rígidos de técnicas e verdades absolutas realmente não existem e que às vezes temos que quebrar tabus e adaptarmos às adversidades do ambiente que nos é apresentada, para assim sentirmos realizados como pessoa e evoluirmos como pescador.

Ao encontrar um rio cheio, turvo e correndo a todo vapor, minhas expectativas de mergulhar naquelas águas e conhecer a intimidade do meu mais novo amigo São Benedito foi desestimulada, o que piorou ainda mais com as chuvas diárias que enfrentamos. Os guias da região me desanimaram com a afirmação de que não era época para se pescar com iscas artificiais, sejam com tralha de baitcasting ou flycasting. Diante daquela realidade eu olhava para minha fly box com dezenas de moscas variadas, linhas floating e sinking e me negava a acreditar na realidade que estava diante dos meus olhos.

Honrando minha característica de persistente, pinchei quase o dia todo à procura de algum peixe que se interessasse por alguma de minhas moscas. Apresentei-as em corredeiras, pés de cachoeira, margens com estruturas e embaixo de copas de árvores e nada de peixe. Também não tive resultados com linhas sinking. Não se via nenhuma movimentação de peixe. Experimentei quase tudo na tralha de baiting e só capturei alguns jacundás e levei uma forte batida de uma cachorra que não se firmou na garatéia do meu plug de meia água. Pra não dizer que terminei meu fim de tarde solitário, uma matrinchã e um pacu-branco atacaram um de meus Divers e me renderam boas brigas no meu equipamento de mosca.

Sabia que a pesca com artificiais poderia ser mais produtiva naquela época, final das chuvas, num trecho mais acima do rio, em lagoas próximas a barra do Rio Azul, mas que estava longe do meu alcance, tanto pela distância quanto pela grande quantidade de cachoeiras que formavam obstáculos naturais intransponíveis para nossa embarcação.

Pescávamos peixes de couro por quase todo o dia e parte da noite, ora na pesca apoitada ora caminhando pelas laterais das cachoeiras, arremessando nos poços e degraus onde os bagrídeos encostavam para descansar. Seguiram-se boas capturas. Jaús, Pirararas, Jundiás e cachorras destacaram-se por sua força. Alguns peixes entocados que não tiveram suas identidades reveladas, tomadas de linha e linhas 0.90 mm estouradas. Enfim, tudo que podemos ter em uma destacável pescaria de peixes pesados.

Mesmo com toda essa agitada pescaria ainda não me conformava com as poucas ações no equipamento de mosca. São momentos de agonia em que um pescador chega até mesmo a duvidar de sua capacidade de pescar. Por diversas vezes eu refletia, refletia... e procurava achar algum erro técnico que eu pudesse estar cometendo para fazer uma auto correção, mas não encontrava nada que poderia estar me comprometendo.

Em locais encachoeirados via-se emergir lombos e manchas negras, denunciando a presença dos Pacús-borracha ( Myleus spp ). Embora a água estivesse com baixa visibilidade ainda consegui aproximar-me do cardume através do mergulho em apnéia. Logo na minha primeira observação subaquática fiquei deslumbrado com a agilidade e destreza daquele animal. Quase trombei corpo a corpo com poraquês, pirararas e outros peixões quando era empurrado pela forte correnteza na descida dos degraus dos poços.

O “Borracha”, sem dúvida, foi o peixe de água doce mais fantástico que já vi nadar ao meu lado. Foi paixão a primeira vista! Ele coordenava movimentos hábeis na correnteza mais veloz que eu já havia visto até então, conseguindo ficar na vertical e manter-se equilibrado enquanto brincava no véu da cachoeira. Os maiores exemplares provavelmente pesavam mais de seis quilos e possuíam uma coloração verde enegrecida com pingos de cor ferrugem em seus flancos. Uma talentosa e inspirada pintura, criada por Deus, emoldurava sua vestimenta natural. Sua dentição era propriamente adaptada para arrancar as algas verdes ( grupo das Chlorophyta ) que cresciam nas pedras, uma alga crespa com espinhos em seu caule.

Fiquei vidrado com aquele animal e coloquei-o como meu principal objetivo de captura com equipamento de fly, mas após diversos casts no visual, mostraram-se totalmente desinteressados por minhas moscas, e olha que abusei na troca de moscas! Apesar do pacu-borracha ser um peixe onívoro, podendo apresentar, assim, atitude predadora, ele possui um comportamento passivo e predominantemente herbívoro. Além disso, com tanta fartura de algas nas pedras naquela época provavelmente ele não se desgastaria nadando atrás de minhas moscas, mesmo com a mosca passando na cara do peixe. Fato este que só fez alimentar a minha angústia e reconhecer minhas limitações. Talvez durante a seca, com a escassez de algas, seu comportamento pudesse mudar. Mas ficou evidente que eu deveria me dedicar ainda mais para me adequar àquela situação, para talvez, assim, mudar o enredo daquela história.

O minhocuçu talvez fosse a isca mais produtiva naquela época por lembrar o pacu de alguns moluscos que ele costuma se alimenta. Os locais estavam fartos de algas facilmente alcançáveis pelos pacús, apresentando tímidas ações para quem as usou como isca. Além disso, a água escura fazia com que os peixes procurassem seu alimento mais através do olfato do que pela visão, o que tornaria o minhocuçu, neste ponto, mais uma fez, uma boa isca.

Neste momento me bateu um grande conflito interno, pois como poderia usar uma minhoca de isca sem ferir os princípios da pesca com mosca. Mas decidi que já que iria pescar com minhoca eu usaria o equipamento de mosca apenas para tornar a briga com o peixe mais valorizada e esportiva.

Assim que a isca tocava na água aos pés da cachoeira e descia a correnteza rasa, bastavam alguns segundos para o drag da linha sofrer uma esticada veloz. Uma grande e intensa luta iniciava-se, de um lado minha carretilha descarregando linha sem parar, do outro um pacu borracha “nervoso” saltando alto em rotações espirais dentro do seu próprio eixo. Algumas vezes ele literalmente “esquiava” em locais com profundidades menores que o seu corpo. O seu lombo levantava água por onde passava formando um “tubo” de ar atrás de seu corpo. Usando sua “inteligência”, ele ficava de lado na correnteza para provocar um aumento da área de resistência de seu corpo contra a água o que multiplicava o seu peso no meu equipamento de mosca.

Era impossível retirá-lo da água no seu local de captura. Era preciso levá-lo aos poucos para um dos remansos que se formava atrás das grandes pedras para, só então, dominá-lo.

Hoje, posso dizer sem receio nem restrições que não me arrependo nem um pouco por essa conduta e não me sinto envergonhado em relatar esse fato, pois tive a maior batalha de minha vida utilizando um equipamento de mosca.

Esse acontecimento é fruto de uma pescaria em que a situação de pesca não propiciava a pesca com equipamento de mosca e que um pescador muito persistente, no intuito de vangloriar a captura de um peixe que lhe provocou encantamento no contato subaquático, utilizou de outros artifícios de pesca para imortalizar aquele momento único em sua vida.

São condições inesperadas que a vida nos impõe que nos faz entrar em choques conceituais, mas que nos ensina o quanto ainda temos a aprender e ser humildes perante a natureza, pois, certamente, ainda existem infinitas formas desconhecidas de usufruí-la com prazer e sem lhe causar danos. A natureza é sem dúvida o melhor laboratório da vida, feliz aquele que sabe interpretá-la e apreciá-la. É importante nunca se sentir abatido quando o ambiente limita nossas condições de pesca. Observe bem a natureza que ela certamente lhe mostrará o caminho.

Aos amigos mosqueiros puritanos, me desculpe por tal atitude, mas, por dentro, posso garantir que me considero privilegiado por derrubar esse tabu que existia dentro de mim. Sei que essa tática não pode ser considerada como uma tradicional pesca com mosca, muito longe disso, pois feriria todos os princípios de suas raízes. Essa é apenas uma pescaria com isca natural utilizando um equipamento de lançar mosca. Espero que todos um dia possam experimentá-la e curtir essa mesma emoção!


Dicas técnicas para o Pacú-borracha:

arrow:: O Pacú-borracha é uma espécie endêmica que vive predominantemente na região do São Benedito, o que torna sua captura ainda mais preciosa. O “Borracha” possui uma boca muito dura e dificilmente se fisga sozinho. Por isso é preciso dar uma boa fisgada para penetrar o anzol, lembrando de esticar bem a linha, apontar a vara para o peixe e fisgar com a mão que faz o recolhimento da linha. Após a fisgada deve-se levantar rapidamente a vara para manter a linha esticada por toda a batalha. Durante os saltos, não se esquecer de inclinar a vara em direção contrária ao salto, evitando, assim, o desprendimento do anzol.
arrow:: Evite que sua linha sofra uma dragagem excessiva pela correnteza para não perder o momento certo da fisgada. Técnicas de correção do drag devem ser empregadas para cada situação.
arrow:: Como o tranco da fisgada é muito forte e “seco” é recomendável atar o shock leader ao tippet utilizando nós que preservam ao máximo a resistência da linha. O nó Trilele é uma boa opção. Não recomendo o nó Clinch, pois perdi alguns peixes com esse nó.
arrow:: Utilizar tippet ( fluocarbon ) e shock líder ( empate de aço ) mais resistentes do que 20 libras é possível conforme a resistência da vara que se está usando. Lembrando que quanto mais forte for o seu líder mais você estará forçando o seu equipamento de fly. Dessa forma, utilizar o líder menos resistente possível para aquela espécie e trabalhá-la adequadamente é uma forma de proteger o seu equipamento de mosca.
arrow:: Os equipamentos de mosca recomendados são os mesmos para os grandes Tucunarés-açús da Amazônia, fazendo uso de equipamentos entre #9 e #11. Uma carretilha Large Arbor com um bom freio também ajudará a trabalhar o peixe. O backing deve conter no mínimo 40 metros de linha com resistência acima de 30 libras. As linhas Floating WF-shooting head e Bass Bug facilitarão o arremesso das iscas naturais mais pesadas. O líder não precisa ser obrigatoriamente cônico, mas deve ser curto, com 6’. Um tippet de fluocarbon de 20 lbs é suficiente, desde que se trabalhe bem o peixe. Um Shock líder de 15 à 20 cm de empate de aço fosco de 30 lbs também deve ser usado. Utilizei preferencialmente anzóis Chinú de # 8 a #10, que são reforçados e fisgam muito bem os peixes redondos em geral.
arrow:: Para quem for usar tralha de arremesso com carretilha, os minhocuçus devem ser lançados sem chumbada, pois assim que os chumbos tocam nas pedras do fundo os pacus se refugiam. Para compensar a falta do chumbo, deve-se iscar um pedaço maior de minhocuçu, facilitando, dessa forma, o arremesso.


Peixes de couro e cachorras largas:
arrow:: Varas de 120 a 150 lbs;
arrow:: Linhas de monofilamento 0.90 mm;
arrow:: Carretilhas: compatíveis com a ação da vara e com capacidade de no mínimo 150 metros de linha 0.90 mm;
arrow:: Empate de aço de 80 lbs com 40 cm de comprimento com girador reforçado;
arrow:: Anzóis 7/0 para jundiás e 12/0 para jaús e pirararas;
arrow:: Chumbos variando com a correnteza. Nos pés de cachoeiras e corredeiras fortes pode-se utilizar um ou dois chumbos de 250 gramas cada;
arrow:: Nó: Trilene ou Palomar.
arrow:: Iscas:
Minhocuçu: para pacu-borracha nas cachoeiras e jundiás em poços e remansos, podendo entrar também outros peixes de couro, como o Jaú, a cachara e a pirapara;
Algas do local ( Pacu-borracha ): confeccionando as trouxinhas de algas, mais produtivas no período da seca;
Pedaços de peixe ou peixes pequenos inteiro: para cachorra e peixes de couro;
Tuvira ( sarapó ): para todos os peixes de couro, cachorras e corvinas, podendo atrair também bicudas, tucunarés e trairões.
Por: Leandro Vitorino (http://www.goiasfly.blogspot.com)
Fotos: Ronan e Leandro Vitorino


ALGUNS DOS PEIXES...

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E a natureza...

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Esse lugar é um paraíso mesmo....

Perfeito...

Abraço.

Valeu Leo,

Realmente o local é demais, infelizmente não fui na melhor época para artificiais e acabei tendo que praticar a pesca com isca natural, o que não deixa de ser muito boa também, acho que todas tem seu lugar.

Fiz algumas dicas técnicas que certamente a maioria de vcs já sabem, mas que para os iniciantes são bem importantes.

Grande abraço!

Leandro Vitorino

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